A POLÍTICA DAS RUAS
Desde 2013, o Brasil vive conjuntura de crise.
Forças sociais puxam o país em direções opostas em jornais, sites, tribunais,
Parlamento e na rua.
O período é curto, mas se quebra em três ciclos de
protestos. Do primeiro ninguém esquece, o fatídico junho de 2013, que pegou
governo e partidos de calças curtíssimas. De bate-pronto, muitos exaltaram o
nascimento de movimento progressista. Mas a cena era mais complicada —antes um
mosaico de pequenos movimentos independentes, distribuídos em dois grandes
campos.
Grupos autonomistas, puxados pelo MPL, deram a
ignição, com protestos performáticos (catracas queimadas), horizontalismo
(negação da hierarquia de gênero e de liderança política), estética anarquista
e símbolos das manifestações por justiça global, com defesa de práticas
autossustentáveis, comunitárias e libertárias.
Atarantados, os movimentos sociais de viés
socialista engrossaram. Linha de frente dos protestos desde a redemocratização,
trouxeram seu roteiro de costume: bandeiras vermelhas, tônica redistributiva,
organização vertical.
Essas duas frentes à esquerda ganharam companhia.
Emergiu um campo de manifestantes independentes, sem coordenação ou experiência
política, atraídos pela internet ou pelo noticiário. Mais expressivo que
propositivo, içou a bandeira nacional. Cartazes, roupas, pinturas faciais
recuperaram os símbolos nacionalistas dos movimentos pela redemocratização e
pelo impeachment de Collor.
Eis o resumo de 2013: três grupos repartidos em
dois campos polares. Nas trincheiras autonomista e socialista, demanda por
expansão e melhora de políticas sociais, transporte, saúde, educação. No front
patriota, críticas à hipertrofia e ineficiência do Estado, aos políticos e
retomada da divisa do Fora Collor: "ética na política".
Embora se dissessem apartidários, orientaram-se
todos pelo sistema político, postando-se à esquerda ou à direita do governo do
PT. A efetiva novidade de 2013 foi que à mobilização por expansão de direitos,
usual desde a redemocratização, juntou-se clamor liberal, pró-mercado,
anti-Estado.
Esse campo patriota ganhou ossatura e volume num
segundo ciclo de mobilização em 2014, enquanto socialistas e autonomistas
esmaeciam. Três associações lideraram os eventos: a liberal Vem pra Rua, o
Movimento Brasil Livre, mais à direita, e, no extremo, o Revoltados On Line. Em
março de 2015, 54 grupos similares se albergaram na Aliança Nacional dos
Movimentos Democráticos, fincada em Estados tucanos, sobretudo São Paulo, e com
suporte do empresariado.
O foco se fechou na contestação ao governo Dilma,
expressa em retórica moralizadora de dois sentidos: a afirmação da moralidade
pública (anticorrupção) e o moralismo, reiteração de valores da sociedade
tradicional (como pátria, religião, família), óbvios nos atos encerrados com
rezas e hino nacional.
Farpas contra "políticos em geral"
confluíram na demanda por impeachment da presidente. E a pasteurização levou à
busca de lideranças fora da política profissional. Na mesma operação simbólica
em que Lula virou Pixuleco, o juiz Moro sagrou-se salvador da pátria.
O terceiro ciclo explodiu mais recentemente, quando
a rua passou a objeto de disputa. Persistiram os patriotas, hibernaram os
autonomistas, acordaram os socialistas. Os aliados tradicionais do PT, os
sindicatos, e duas novas coalizões, a Frente Povo sem Medo (cerca de 30
movimentos) e a Frente Brasil Popular (com mais de 70 organizações),
recuperaram a pauta petista dos anos 1980: defesa do Estado de direito
("não vai ter golpe"), pró políticas sociais e combate ao oligopólio
dos meios de comunicação ("o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo").
Essa foi a linha dos atos anti-impeachment e em desagravo a Lula.
O que nasceu junto-e-misturado decantou em campos
apartados: um anti-PT, outro antigolpe. A cerca invisível de 2013 virou muro de
concreto nas votações do impeachment na Câmara e no Senado.
Ao longo desses ciclos de protestos, o protagonismo
nas ruas deslizou da nova esquerda autonomista para a nova direita patriota,
com a esquerda socialista desafiada pelos dois lados.
O fim do processo institucional do impeachment
remata essa febre de manifestações?
O efeito dos protestos em sequência é que o novo
governo nasceu em sociedade mobilizada. O campo socialista não o reconhece e
segue ebulitivo. Já os patriotas se recolheram, uma vez atingido o objetivo de
desalojar o PT do poder. Mas não celebraram Temer.
Os dois campos tomaram o espaço público para
criticar o governo em 2013 simultaneamente, mas por razões diferentes. Tampouco
precisam de pauta positiva compartilhada para tornar a fazê-lo. Basta um
inimigo comum. A vaia que recebeu na Olimpíada sinaliza que Temer é bom
candidato ao posto.
Fonte: "ilustríssima" - Ângela Alonso - Folha de S.Paulo - Set/2016
Um texto interessante que analisa o protagonismo e motivações de diferentes movimentos de rua que vem sacudindo o país nos últimos anos sobretudo nas grandes cidades
Nenhum comentário:
Postar um comentário