Existem alguns efeitos nefastos que são claramente derivados da
sociedade avançada de mercado em que vivemos. Aliás, minha principal razão de
crítica à esquerda é sua incapacidade atávica de perceber a realidade. Ao
contrário do que parece, a esquerda investe numa visão infantil da realidade,
negando o fato de que ela mesma, a esquerda, é um dos fetiches mais chiques do
capitalismo avançado.
Se a
esquerda é utópica em sua crítica infantil, os liberais tampouco nos ajudam com
sua utopia de que o mercado resolve tudo. Falta aos liberais reverência ao
fracasso.
Falta à
esquerda a humildade de se assumir como um produto do capitalismo como uma
Louis Vuitton. O sucesso do melhor método de produzir condições razoáveis de
vida (o capitalismo) é nosso próprio cadafalso: gente bem de vida fica, na
maioria das vezes, boba.
Mas vamos ao
que interessa. O fim do amadurecimento. Mas, antes, um detalhe de que não
tratarei hoje: o fim do afeto. Este está em extinção devido ao seu caráter
necessariamente dolorido. Não existem paixões alegres sem paixões tristes.
O fim do
afeto ocorrerá em breve e ele está intimamente associado ao fim do
amadurecimento porque este implica naquele. Não há amadurecimento sem
sofrimento e esse é o foco de todo o esforço moderno: eliminar o sofrimento.
Calma. Não
estou aqui a fazer um elogio à agonia. Nem ao sofrimento. Não precisamos
procurá-los, eles nos encontram de forma inevitável. Toda pessoa normal, como
diziam utilitaristas como Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill
(1806-1873), foge da dor e busca o bem-estar. Estou a dizer que o utilitarismo
transformado em comportamento sistemático produziu o momento mais infantil da
espécie: nossa era.
Pode-se
notar claramente o fim do amadurecimento tanto no comportamento dos mais jovens
como no dos mais velhos. O amadurecimento não é algo que se busca ou se compra.
Ele está mais perto do fracasso do que do sucesso. É aquele tipo de estado de
espírito que se revela mais no silêncio do que no ruído da autoafirmação. Pede
paciência, como o conceito pede, diria Hegel (1770-1831).
E levanta
voo no final do dia, como a coruja da filosofia, segundo o mesmo Hegel. Por
isso sempre associamos o amadurecimento aos mais velhos. Quando se vê avós
querendo imitar netas, pode apostar que o contrário do amadurecimento, o
retardo mental, se instalou como modo de vida.
Nos jovens,
o estrago é cada vez pior. Chegam a universidade atolados em "políticas de
vulnerabilidade". Você não sabe o que é isso? Explico.
Em 2004, o sociólogo inglês Frank
Furedi, no seu "Therapy Culture", ainda sem tradução no Brasil,
apontava, a partir de uma pesquisa empírica na mídia impressa britânica, o
crescimento de termos psicológicos que descrevem vulnerabilidade: angústia,
necessidade de aconselhamento, ansiedade, distúrbios de atenção, e outros.
Nas escolas
e universidades, o impacto é enorme. Pais e profissionais, de forma disfarçada,
pressionam as instituições de ensino para "aprovarem" seus filhos em
nome de seus diagnósticos. A vulnerabilidade clínica deve ser critério, pensam
o ideólogos dessas políticas de vulnerabilidade, para aprovação. Usam termos
como "inclusão" para justificar velhas práticas de negação dos
resultados ruins de seus filhos e pacientes.
O resultado,
entre outras coisas, é que os jovens são cada vez mais frágeis, com quase
nenhuma "resiliência" (nome da moda pra se referir à velha força de
caráter, fora de moda). Sendo uma avaliação algo além de mera devolutiva de
conteúdo da matéria, essa mesma avaliação passa a ser um instante de enorme
stress patológico. Algum dia desses, um professor será processado por reprovar
um aluno.
E o problema
é que a pedagogia, muitas psicólogas e parte do Ministério Público endossam
esse desastre para o amadurecimento.
O ganho
secundário, como diria Freud (1856-1939), dessa neurose da vulnerabilidade é
que esses jovens são "poupados" de qualquer responsabilidade moral.
Uma catástrofe em nome da vulnerabilidade. Uma geração inteira de medrosos com
iPhones.
Nenhum comentário:
Postar um comentário