Um ditado favorito dos
americanos para expressar ironia após triunfar sobre uma adversidade foi
cunhado por Mark Twain: “Notícias da minha morte foram muito exageradas”, disse
o autor de Huckleberry Finn, um
humorista fino. Para os sofridos livreiros independentes, um pouco de
triunfalismo será desculpado, neste ano em que o discurso público emanando de
Washington reflete alergia a qualquer forma de prosa literária. Não é exagero:
as livrarias independentes, além de não estar mortas, voltaram com força. Em 2009,
havia 1.401 livrarias independentes nos Estados Unidos. Este ano, elas já somam
2.321. Nova York, onde caros aluguéis comerciais afugentam o varejo como não
acontecia desde o crash de 2008, ganhou pelo menos cinco livrarias no último
ano, como a aconchegante Books Are Magic, no Brooklyn. A livraria foi aberta em
maio pela romancista Emma Straub, autora de Os Veranistas,
que começou a escrever ficção enquanto trabalhava como vendedora na Book Court,
no mesmo bairro. A Book Court fechou depois de 35 anos, em dezembro, porque o
prédio foi vendido para um empreendimento imobiliário. O pesar entre leitores e
escritores que lançavam seus livros na Book Court, como Junot Diaz e Don
DeLillo, ilustrou como o papel das independentes cresceu com a debandada das cadeias
sob o cerco da Amazon e do livro digital.
O
número de debates e eventos com autores em livrarias aumentou este ano, depois
da vitória do presidente, que pede aos assessores relatórios de apenas uma
página, de preferência com gráficos. E não é só por causa do renovado sucesso
da ficção sobre distopias. Em cidades como Washington, Boston, São Francisco,
Chicago e Nova York, é comum noites com mais de um autor debatendo temas além
da literatura, como política de saúde e educação.
A
explosão das cadeias dos anos 1990, como a Barnes & Noble, ainda
sobrevivente da devastação digital do começo do milênio, colocou as
independentes na defensiva, incapazes de competir com a venda de livros com
desconto. Mas as cadeias de livrarias, além do assalto da Amazon, passaram a
enfrentar outro fenômeno recente: a morte dos shoppings onde costumavam se
instalar. É o que a mídia chama de “apocalipse do varejo”. Enquanto shoppings
vão ficando desertos, a vida de pequenas cidades e subúrbios afluentes se volta
ao comércio da rua principal e adjacências. É um estímulo à volta da livraria
como ponto de encontro e conversa.
Há 20 anos, esta repórter
estava filmando uma da melhores livrarias de ficção literária de Nova York,
quando uma van despejou uma turma de alunos do segundo grau na Books &
Company. O professor guiava a turma como se estivesse no Museu Metropolitan,
destacando fotos de grandes romancistas nas paredes. Foi um momento doce e
amargo. A sorte dela já estava selada pela alta exorbitante do aluguel do
proprietário do prédio, o Museu Whitney. Mas os adolescentes percorreram com
entusiasmo a livraria como a âncora de uma cultura literária pela qual estariam
por se afeiçoar.
Novas
pesquisas revelam que apenas 6% dos leitores de livros nos Estados Unidos
consomem apenas livros digitais. A livraria física e os livros impressos
continuam a atrair leitores de todas as idades. Para uma cidade de 8.5 milhões
de habitantes, as cem livrarias independentes de Nova York não fazem frente à
fartura de Paris. Mas a saúde das livrarias independentes mostra que é possível
conviver com o e-livros sem abdicar dos prazeres do papel.
Fonte: Lúcia Guimarães. O Estado de S. Paulo (Domingo, 2 de julho de 2017)
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